Ouça a Rádio Acesa FM ou click no icone!

Rádio Acesa Ao vivo

29 de dez. de 2014

CRÔNICA: EU ACREDITO EM ANO NOVO

CRÔNICA: EU ACREDITO EM ANO NOVO

Eu tenho um amigo que não liga para anos novos. Diz ele que é tudo igual, um dia atrás do outro e que foi a gente quem inventou esse negócio de calendário. Realmente, ele não deixa de ter razão. Fez lembrar até aquele poema do Drummond, que sempre roda as redes sociais quando está se acabando o ano: "Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias/(...)/foi um indivíduo genial./Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão". Mas... aqui pra nós: é tão boa a sensação que a gente tem 365 dias pela frente, pra fazer tudo de novo...

Às vezes, fico brincando de futurologia e imaginando que, daqui a cem, duzentos anos, os estudiosos que resolverem se debruçar sobre a nossa época vão ficar horrorizados com o que virem. Acho que nunca tivemos, na breve comédia humana, uma época tão feia, de tanto desencanto. Tudo é muito barulhento, tudo é muito rápido; tudo tem de ser feito para ontem, de maneira que as pessoas ou estão ansiosas, porque querem adiantar o futuro, ou angustiadas, porque se lamentam do passado.

Vivemos nos gabando do fim da Ditadura, sem nos darmos conta de que, hoje, vivemos não apenas em uma, mas em várias, dadas pelo consumo: a ditadura da beleza, que faz com que as academias estejam lotadas, para a busca de um ideal estético que poucos conseguem obter; a ditadura da felicidade, na qual todos têm a obrigação de estar nos mesmos lugares, senão, você vira escravo de outra ditadura: a do constrangimento. E daí vem as frustrações...
Fiquei chocado ao saber que os consultórios psiquiátricos não têm mais vagas. O que está acontecendo com as pessoas? Estamos todos enlouquecendo? Acho que estamos todos adoecendo... da alma. Cadê a dimensão contemplativa da vida, minha gente? Hoje, no frêmito de se acumular, de se ganhar - sem poder jamais perder ou errar - ninguém mais para pra nada. Parar pra quê? Pra ser atropelado por outrem ou para aumentar a sensação de obsolescência desse mundo louco, que faz gente de 22, 23 anos bater o pé e se sentir "velha".

Já não são mais tão incomuns os casos de pessoas que trocam carreiras estáveis, bons salários, muitas vezes acima da média, em nome de outras atividades, mais prazerosas, ou mesmo de um tempo a mais para viver a vida, de preferência, com o pé no freio, o que mostra que, de fato, está tudo errado com a nossa geração e que precisamos urgentemente de uma mudança. Mas de algo gradual e não aquela loucura de "fim de mundo", que de tempos em tempos assombra a humanidade, como uma panaceia, algo "rápido e indolor", bem ao gosto do hoje em dia.

Sim, amigo, você tem razão. A vida continua como se não existissem calendários, mas eu me filio à corrente majoritária, que prefere acreditar em ano novo. Ou, simplesmente, acreditar. Vejo gente, como eu, cansada dessa loucura da vida de hoje e buscando fazer a diferença. Uma vez, li um pensamento, desses que rodam pela internet, que dizia: "você não pode mudar o passado, mas pode fazer um novo futuro". E, para isso, desculpe-me, amigo, mas eu preciso dos meus 365 dias. Que podem não ser muita coisa, vá lá! Mas que, pelo menos, me dão alguma esperança.

26 de dez. de 2014

Quebre agora o ciclo de fazer dívidas

Quebre agora o ciclo de fazer dívidas

Não comece a se endividar no fim do ano

Diversas pesquisas mostram que, em média, dois em cada três brasileiros usarão o 13º salário para quitar dívidas. É uma atitude sensata e correta. Mas não é sensato acreditar que dívidas são resultado do acaso ou de imprevistos e que, em 2015, daqui a um ano, você não terá esse problema se imprevistos não ocorrerem. Só há um motivo para o endividamento não planejado: más escolhas.

As dívidas do início de dezembro começaram a se formar na empolgação de 12 meses anteriores. Ao receber o 13º salário em 2013, muitos brasileiros já tinham escolhas limitadas pelas dívidas acumuladas ao longo daquele ano. Dívidas foram quitadas – isso já é tradição –, e o pouco que sobrou do 13º foi usado para compras natalinas, celebrações, gratificações e gastos extras de férias.

Veio janeiro e, com ele, as contas que se concentram nessa época, principalmente IPTU, IPVA, matrículas escolares, anuidades de associações profissionais e materiais e uniformes escolares. Sem dinheiro para quitar esses compromissos à vista, já que o 13º fora consumido, restou aos brasileiros parcelar os pagamentos possíveis, já no início do ano.

Ao acumular prestações, não assumimos apenas um gasto financeiro maior. As prestações nos impõem um limite menor para lidar com imprevistos. Elas diminuem a verba para gastos avulsos, que poderiam ser remanejados diante de mudanças de planos. Com menos liberdade, aumenta a probabilidade de falta de recursos. Isso lança as famílias brasileiras no uso do cheque especial, do crédito rotativo no cartão ou de outras formas de empréstimo pessoal.

O mau uso do 13º agora se traduzirá em grande chance de limitar o uso do 13º salário de 2015. Não é sensato continuar a empurrar dívidas com a barriga dessa maneira. A regra básica é entender que o 13º salário serve para quitar os grandes compromissos de janeiro, não para abater as dívidas acumuladas até dezembro.

Quem tem dívidas, que as pague agora, para não levar para 2015 os problemas deste ano. Se sobrar dinheiro, reserve para quitar os gastos de início de ano. Somente após essa reserva, caso ainda sobre dinheiro, você poderá se dar ao luxo de ter um fim de ano generoso, com presentes mais caros. Se não for esse seu caso, use mais criatividade e menos o dinheiro para presentear e tirar férias.

Ao fazer isso, o sentimento certamente será de privação, principalmente se comparado aos hábitos nos anos anteriores. Esse padrão de escolhas não precisará se repetir nos próximos anos. Com menos prestações em 2015, você terá mais folga para aproveitar melhor seu próximo 13o. Quebre o ciclo das dívidas agora e mantenha-se organizado. Garanto  que os finais de ano serão melhores daqui para a frente.

Começar de novo

Começar de novo

Este ano, quem sabe, com um pouco mais de desapego

Ontem, debaixo do chuveiro – cheio de culpa por ainda tomar banho em plena crise d'água – tentei listar as coisas que gostaria de ter em 2015. Mais água, seguramente. A graça do amor, sobre a qual escrevi na semana passada. Mas não só. Enquanto me ensaboava com a água fechada, me ocorreu que seria bom ser mais desapegado do que sou. De tudo: coisas, pessoas e situações. Gente apegada sofre muito. Cada vez que ocorre uma ruptura, o mundo vem abaixo. Cada vez que uma perda acontece, morremos. Que tal mudar isso no Ano Novo?

Já sei o que alguns dirão: não se muda isso de uma hora para outra. Um traço de personalidade desses nasce conosco, ou se desenvolve muito cedo. É, de qualquer forma, algo profundo, arraigado. Provavelmente, os apegados já choravam quando a mãe, exausta, os tirava do peito. Desde então têm trauma de separação. Ainda que o apego seja inato, quase biológico, pode ser mexido. Da mesma forma que somos a única espécie do planeta capaz de lembrar suas dores, somos também dotados do impulso irremovível da esperança. Onde há gente, pode haver mudança. Ou, pelo menos, aspiração.

Outros, assumindo que seja possível desapegar, perguntarão se é realmente desejável. Não é bonito alguém que se envolve? Não é humano e natural alguém que incorpora gente à sua volta? A resposta é: depende. Às vezes, envolver-se é uma delícia. Noutras, seria preferível ter caído num poço e quebrado a perna. Nunca pensei nisso dessa forma, mas a média entre poços e situações deliciosas talvez não seja favorável aos apegados.

Os desapegados parecem mais felizes. O sentimento acabou? Eles sofrem pelo tempo regulamentar – de 15 minutos a duas semanas –, depois retomam a rotina. Sem traumas. Em vez de, como os apegados, morar numa montanha russa em que a vida oscila entre altos e baixos terríveis, eles vivem em práticos fletes emocionais. Requisitam serviços afetivos e sexuais quando precisam, não dividem o espaço com ninguém, e tudo está sempre arrumado, no mesmo lugar, sem confusão e sem mistura. Não gostaria de morar num lugar emocional como esse, me pareceria asséptico e impessoal. Mas quem vive assim parece estar bem. Ou engana.

Independência e estabilidade afetiva parecem o ponto forte da vida desapegada. No centro dela, está um indivíduo autônomo e auto-suficiente, que depende pouco – ou quase nada – do afeto alheio. Ele tem, como todos na vida, redes sociais que provêm proteção e carinho. No centro delas, não há alguém especial de quem eles dependem para garantir a paz do dia e o calor da noite. No centro da vida deles, estão eles mesmos, como indivíduos – um conceito óbvio, ainda assim estranho a quem depende da presença de um outro para ser feliz.

Como se forma gente de um tipo ou de outro? São as experiências que nos tornam menos permeáveis ao envolvimento? Ou quem adora se vincular já nasceu assim? Somos o resultado de uma mistura indecifrável, mas certamente não existe hierarquia naquilo que somos. Não há melhores e piores. Há um bocado de caráter na atitude de quem decide lidar com o mundo sozinho, assim como há enorme coragem nos atos de quem arrisca sua integridade emocional num relacionamento com estranhos – e todo ser humano é um estranho, mesmo depois de anos de convívio e de intimidade.

Sendo eu mesmo um apegado emocional, que sofre terríveis nostalgias e tem dificuldades imensas em recomeçar, não seria ruim iniciar 2015 com um grão de desapego. Não gostaria de virar uma pedra de gelo ou de me tornar um daqueles tipos indiferentes, que olham o mundo com a boca virada para baixo, num estado permanente de desagrado. Esses são infelizes. Falo de ser um pouco mais contente sozinho, de me assustar um pouco menos com a solidão, de lidar com a dor – essa que nubla o dia de amanhã e encharca o hoje de melancolia - de forma menos exasperada.

O ano que começa daqui a pouco, dizem, será mais difícil na vida pública. Em muitas vidas privadas, por diferentes razões, tampouco se anuncia mais fácil. Há que enfrentá-lo com aquela mistura de esperança e resignação que nos define como espécie desde os primórdios. A gente erra, sofre e faz de novo, um pouquinho melhor. Ou sofre, fundamentalmente, sem ter errado. Levanta-se assim mesmo – e avança. É disto que nos lembra o Ano Novo: a metáfora do recomeço. É nossa chance de pôr as coisas no lugar. Talvez, até de melhorá-las um pouquinho. De melhorar a nós mesmos. De começar de novo, com um pouco mais de desapego.