Aumentam os casos de violência contra os idosos - Bloco 4
Apesar da falta de estatísticas, autoridades constatam que a violência contra idosos está crescendo no Brasil. Muitas vezes os abusos, sobretudo econômicos, partem da própria família. Para alguns especialistas, isso ocorre porque o idoso é visto como um problema pela sociedade, por ser considerado improdutivo. Eles apontam, como solução, a mudança de mentalidade como forma de defesa dos direitos do idoso. Confira, agora, quarto capítulo da série especial, com Maria Neves.
No capítulo de amanhã, último da série especial sobre os Idosos, as dificuldades de locomoção nas cidades brasileiras.
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Estudo do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, publicado em 2011, demonstra que, entre 2002 e 2010, os registros de violência contra idosos aumentaram em mais de 90% no estado. Somente em 2010, 56,5 mil pessoas acima de 60 anos foram vítimas de algum crime. A capital do estado é a cidade brasileira com maior número de habitantes idosos, 940 mil pessoas.
O delito mais praticado contra representantes da terceira idade no Rio de Janeiro é o estelionato, seguido de ameaça, lesão corporal culposa de trânsito e lesão corporal dolosa.
Aumento no número de registros, no entanto, não significa necessariamente crescimento dos casos de violência. Conforme explica o coordenador da pesquisa, Emmanuel Rapizo, há uma série de fatores que podem explicar o fenômeno.
“Houve uma diminuição da não informação quanto à idade, houve aumento de políticas públicas em relação aos idosos. No Rio de Janeiro, foi criada a Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade, que hoje é sediada em Copacabana, e também houve nesse período o aumento da população com mais de 60 anos, o que também influencia no total de pessoas idosas vitimadas no estado.”
O estudo sobre violência contra pessoas da terceira idade do Rio é um caso isolado. Nacionalmente, não há estatísticas. A Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Presidência da República sequer conhece o número de delegacias especializadas em atendimento ao idoso no País.
O único dado conhecido são as denúncias feitas por meio do serviço telefônico Disque 100. Em 2012, foram 23 mil ligações para denunciar maus-tratos de idosos, contra 8 mil no ano anterior. Como observado na realidade fluminense, o aumento dos registros não significa maior ocorrência de casos.
Para o secretário de Direitos Humanos, Gabriel dos Santos Rocha, o aumento das ligações se deve, em grande parte, à divulgação do serviço Disque 100. Ainda conforme o secretário, assim como ocorre no Rio, a maioria das ligações denuncia crimes econômicos, cometidos, principalmente, por familiares.
“No Disque 100, a gente tem visto de maneira assustadora, principalmente a violência econômica, dentro da própria família, é um negócio muito sério, quer dizer, de parentes, principalmente filhos, netos usurpam os direitos que um idoso tem, que é sua pensão. A gente tem recebido muita denúncia nesse sentido.”
Exatamente por ficar bastante circunscritos ao âmbito doméstico é tão difícil encontrar dados relacionados a delitos contra pessoas da terceira idade. De acordo com a coordenadora do Núcleo de Defesa do Idoso e da Central Judicial do Idoso do Distrito Federal, Paula Regina de Oliveira Ribeiro, dois terços das agressões são praticados pelo filho. Como a vítima nesses casos é a mãe, ela tem dificuldade para denunciar.
“Hoje o que a gente vivencia são diversos idosos, principalmente mulheres idosas que ainda se sentem culpadas e responsáveis pela violência que estão sofrendo. Então, a gente ainda tem que quebrar com esse ciclo porque ela pensa ‘onde foi que ela errou, a culpa foi minha, em algum momento eu errei com a educação desse meu filho’.”
Em março, o Plenário da Câmara aprovou projeto de lei (PL 6240/05) que endurece o tratamento dado na Justiça a quem comete crimes contra idosos. A proposta, que está no Senado, altera o Estatuto do Idoso para que infratores não recebam benefícios no julgamento de crimes com penas de até quatro anos.
O estudo da ONU “Envelhecimento no Século XXI”, publicado ano passado, mostra que a situação no mundo não é diferente da verificada no Brasil. Segundo o trabalho, depois dos 60, as mulheres acumulam a discriminação por idade e por gênero, e estão mais sujeitas à violência e ao abuso.
A defensora pública Paula Ribeiro explica que a legislação brasileira segue a tipificação internacional específica para delitos cometidos contra idosos. Além de incluir violência física, financeira, psicológica e sexual, prevê ainda negligência, abandono e mesmo autonegligência. Esta última representada pelo idoso que se recusa a receber qualquer tipo de ajuda.
Diante deste contexto em que grande parte das agressões ocorre no âmbito doméstico, os especialistas são unânimes em afirmar que a melhor maneira de combater o desrespeito ao idoso é por meio de mudança cultural.
O coordenador do Centro de Estudos do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, Fernando Bignardi, ressalta que, na sociedade atual, o idoso é visto como um problema, por ser considerado improdutivo. Em sua opinião, essa é uma das explicações para o crescimento violência não apenas contra idosos.
“Se você pensar, talvez um dos aspectos que geram esse aumento galopante da violência possa ser a perda de referência da família. Outrora esse ciclo intergeracional se cumpria, então, a criança nascia, tinha a presença dos pais, tinha a presença da outra geração, tinha a presença dos avós, que era outro aspecto da educação, a educação mais da ética, da sabedoria, da experiência de vida.”
O procurador do Ministério Público Federal Jefferson Aparecido Dias destaca que a sociedade atual optou por segregar os idosos. Exemplo dessa separação, para ele, são os asilos, onde os indivíduos são isolados do resto da sociedade.
Na opinião do procurador, esse modelo é extremamente equivocado. Jefferson Dias defende, por exemplo, a criação de cursos em universidades abertas para a terceira idade e mesmo nas escolas de ensino fundamental e médio, espaços em que os mais velhos possam conviver com os jovens e transmitir suas experiências de vida.
“Esse trato intergeracional é o mais importante porque você reintegra o idoso, aumenta a sua autoestima e aí permite, claro, aquele desenvolvimento do pertencimento, de se reconhecer como pessoa idosa sujeita de direitos, com valor.”
Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa do Idoso, o deputado Vítor Paulo (PRB-RJ) também aposta na mudança de mentalidade como forma de defesa dos direitos do idoso. Segundo ele, a frente vai realizar uma campanha de estímulo à valorização das pessoas da terceira idade ainda neste semestre.
“Então, é questão de educação, é fazer uma grande campanha de conscientização e de educação para que esse idoso possa ser respeitado dentro de casa.”
Vítor Paulo sustenta ainda que já apresentou requerimento ao Ministério da Educação para que inclua na grade curricular de todos os níveis de ensino disciplinas relacionadas ao envelhecimento e ao respeito ao idoso. Essa medida também é prevista no Estatuto do Idoso, mas nunca foi adota na prática.
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