Médicos estrangeiros para o SUS: as razões apontadas pelo governo!
Uma das medidas anunciadas pelo governo federal para melhorar o atendimento à população no serviço público de saúde - clamor das manifestações que tomaram as ruas do país - é a vinda de médicos estrangeiros. A ideia é que esses profissionais ocupem as vagas não preenchidas por brasileiros no interior do Brasil e nas periferias das grandes cidades. Mas a medida enfrenta resistências das entidades de classe e de alguns parlamentares. Conheça as razões do governo para justificar a vinda dos médicos e as críticas e soluções apontadas por quem se opõe à iniciativa.
Confira amanhã, no segundo capítulo da série, os fatores que afastam os médicos do interior e as dificuldades encontradas pelos profissionais que escolheram trabalhar longe das cidades grandes.
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Uma das bandeiras das manifestações que tomaram as ruas do Brasil é a de um serviço público de saúde de qualidade. Em resposta, a presidente Dilma Rousseff anunciou a vinda de seis mil médicos estrangeiros para trabalharem no País. O Ministério da Saúde estuda formas para que esses profissionais possam atuar aqui. Atualmente, os médicos formados no exterior precisam passar por uma prova de conhecimentos, o Revalida. Mas, como se trata de uma emergência para o governo, o ministério analisa a contratação desses profissionais sob um regime especial que dispensaria a revalidação dos diplomas.
Segundo o ministro Alexandre Padilha, o País não pode esperar oito anos - tempo médio de formação de um profissional - para suprir a necessidade da população que mora nas periferias das grandes cidades e no interior. A legislação já permite o registro provisório de médicos que venham para intercâmbio, estágios e atividades de ensino, sem a necessidade de revalidação do diploma. Padilha assinalou que há o interesse de ampliar esse instrumento, mas a opção do ministério é a pela chamada pública - primeiro, para médicos brasileiros; depois, se as vagas não forem preenchidas, será a vez dos médicos estrangeiros:
"Então, nós estamos pensando desenhos possíveis de intercâmbio com universidades internacionais e brasileiras, que possam levar médicos para atuar, inclusive com supervisão dessas universidades, nas áreas estratégicas que o país precisa. Algumas para formação de especialistas, outras para atuar na atenção básica, onde nós temos um grande vazio de médicos na atenção básica em nosso país. "
O Conselho Federal de Medicina, porém, considera a medida insuficiente. Na visão do vice-presidente da entidade, Aloísio Tibiriçá, o médico sozinho não consegue realizar um atendimento adequado à população. Para levar médicos ao interior do País, o CFM defende a adoção de uma carreira de Estado para a categoria. Como essa é uma proposta de médio prazo, o Conselho sugere também a realização de concurso público imediato para o preenchimento dessas vagas que seriam destinadas aos médicos estrangeiros. De acordo com Aloísio Tibiriçá, a proposta já foi levada ao governo:
"Nós propusemos ao governo que, em caráter emergencial, fizesse uma grande chamada aos médicos brasileiros que, com a ajuda do Conselho Federal de Medicina, atenderiam esse chamado num seleção pública de médicos para ir atender nessas regiões. Isso seria uma solução intermediária até que se fizesse a estruturação das carreiras médicas para atender essa população tão carente no Brasil."
O presidente da Federação Nacional dos Médicos, Geraldo Ferreira, também defende a realização de concurso público para que médicos brasileiros possam preencher as vagas no interior.
"A proposta das entidades brasileiras, particularmente da Federação Nacional dos Médicos, é um concurso público nacional promovido pelo Ministério da Saúde para esses seis mil médicos, para alocar nos locais que estão necessitados e num valor pouco diferente. Eles estão propondo para esses médicos estrangeiros em torno de oito mil reais. Nós estamos propondo 10.412 reais para os médicos brasileiros com vinte horas trabalhadas naquela localidade. Se o prefeito quiser dedicação exclusiva, ele pagará a diferença. Ao governo federal caberá contratá-los por vinte horas e colocá-los nos estados."
O coordenador do Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, Danilo Aquino, garantiu que os estudantes brasileiros não são contrários à vinda de médicos estrangeiros para o Brasil, desde que eles façam provas que atestem seus conhecimentos em medicina básica:
"A nossa proposta é que esses médicos que virão atuar na atenção primária façam uma avaliação baseada e focada na atenção primária. Uma avaliação que avalie todos os aspectos da formação médica, mas que tenha foco na atenção primária, que é exatamente o setor onde esses profissionais deverão atuar."
A médica brasileira Sabrini Novaes estudou em Cuba e desde o início deste ano, após ter sido aprovada no Revalida, trabalha na cidade de Itajú do Colônia, na Bahia. Ela aceitou o desafio de trabalhar em um município pequeno, onde a população estava sem médico residente há quase três anos. Sabrini contou que em Cuba os médicos têm a formação voltada para a saúde da família.
"O médico cubano está acostumado com esse tipo de medicina, a base do sistema lá é o sistema de médico de família. Então, o recurso lá para exames complementares é muito mais difícil o acesso, eles trabalham muito com a questão da clínica da medicina baseada nos sinais e sintomas das doenças. Trabalhando aqui, com condições mínimas, eles vão se sair satisfatoriamente, porque eles estão acostumados a trabalhar assim."
Para tentar reduzir a deficiência de médicos no interior do Brasil, o Ministério da Saúde estabeleceu em 2011 o Provab, Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica. O programa tem por objetivo incentivar médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas para atuarem na atenção básica de municípios, áreas de extrema pobreza e periferias com carência desses profissionais.
No Provab, os médicos recebem uma bolsa de oito mil reais durante um ano. A experiência vale 10 por cento na pontuação total nas provas de residência em todo o país. Dos cerca de 2 mil e 800 municípios inscritos pelos secretários de saúde municipais, quase mil e 300 conseguiram médicos interessados em atuar nessas regiões, ou seja, a procura foi quase o dobro da oferta. Este ano, o Provab conta com três mil e 800 profissionais. Os médicos que participam do programa devem cumprir 32 horas semanais de atividades práticas nas Unidades Básicas de Saúde e oito horas semanais de curso de pós-graduação em Saúde da Família, com duração de 12 meses.
Para o estudante de medicina Danilo Aquino, o Provab é válido porque os currículos das universidades não dão a atenção necessária à atenção básica, que é responsável pela solução de 80 por cento dos problemas de saúde da população do interior e das periferias das grandes cidades.
"Grande parte dos currículos das escolas médicas não possuem disciplinas focadas exclusivamente na atenção primária e quando as tem eles não conseguem professores, médicos de saúde da família especializados em atenção primária para passar esses conhecimentos. Então, o que a gente enfrenta é um déficit histórico de educação baseada na atenção primária e uma falta de docentes médicos de saúde da família."
O tesoureiro da Associação Médica Brasileira, José Bonamigo, explicou que a instituição é contrária ao Provab porque mandar um médico para o interior sem condições mínimas de trabalho não resolve o problema da população:
"Nós criticamos muito as propostas que o governo tem colocado, em especial a do Provab, que é o bônus para os médicos que vão para a atenção básica, é um bônus para a prova de residência. Porque a atenção básica no Brasil, os postos de saúde e as unidades básicas são unidades sucateadas há décadas. E quando o governo propôs isso ele óbvio que promete às entidades médicas que também ajudaria na infraestrutura. E não se resolve um problema de décadas de infraestrutura, que não é desse governo, com uma medida pontual de curto prazo."
José Bonamigo citou um exemplo do que a falta de estrutura pode acarretar no atendimento à saúde:
"Um município do Ceará que esté recebendo um médico no Provab e essa unidade de saúde que está recebendo esse médico está há três meses sem água, ou seja, o médico não tem nem como lavar a mão na Unidade Básica de Saúde. Nessas condições, o médico vira um agente de doença, né? Porque se ele examina ou entra em contato com um paciente que tem uma doença infecciosa sem condições de fazer uma higiene básica das mãos o risco dele contaminar os outros doente é maior."
O Ministério da Saúde anunciou que vai abrir 12 mil vagas de residência médica em todas as especialidades até 2017. O objetivo é igualar o número de vagas em residência ao número de formando em medicina em todo o país. Ainda segundo estimativas do ministério, serão criados 35 mil novos postos de trabalho com a construção de Unidades de Pronto Atendimento e Unidades Básicas de Saúde. A previsão de investimentos é 80 milhões de reais por ano em hospitais e unidades de saúde, e mais 20 milhões de reais para infraestrutura. Também serão investidos 60 milhões de reais para a manutenção dos programas de residência e na capacitação dos professores que vão orientar os residentes.
Os fatores que afastam os médicos do interior e as dificuldades encontradas pelos profissionais que escolheram trabalhar longe das cidades grandes. Esse é o tema do segundo capítulo da série especial sobre a contratação de médicos estrangeiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Confira amanhã, no terceiro e último capítulo da série especial, a carência de médicos no serviço público e as soluções em análise no Congresso.
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O número atual de médicos no Brasil é maior do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde, mas a distribuição desses médicos não consegue suprir a carência de regiões afastadas dos grandes centros urbanos por profissionais da atenção básica. A concentração é atribuída à falta de infraestrutura para os médicos trabalharem longe das metrópoles e à baixa remuneração oferecida pelo Sistema Único de Saúde. Por uma consulta, o clínico geral do SUS recebe apenas R$ 10. Essa realidade faz com que alunos e universidades prefiram investir em currículos de especialização e no atendimento hospitalar.
Formado em medicina, o deputado Ronaldo Caiado, do Democrata de Goiás, afirma não ser possível falar em atenção básica e médicos generalistas para atendimento no interior com a baixa remuneração oferecida pelo SUS.
"Como é possível um médico generalista hoje sobreviver recebendo do SUS uma consulta de R$ 10? Como esse cidadão será estimulado a ficar exatamente nessa área?"
Os investimentos em atenção básica são vistos como uma forma de desafogar os hospitais em todo o país, como explica o estudante de medicina Danilo Aquino.
"O forte da atenção primária é a prevenção. Grande parte das doenças que nós possuímos hoje podem ser evitadas através da prevenção, por meio da atenção primária. Então, se essa população é bem atendida, possui uma cobertura de estratégias de saúde da família adequada, grande parte dos problemas que ela poderia vir a ter ela não terá, porque vai sofrer medidas de prevenção, e é aí que a atenção primária soluciona 80% dos problemas de saúde brasileiros."
Dados do Ministério da Saúde mostram que mais de 1.900 municípios têm menos de um médico para 3 mil habitantes na Atenção Básica. E que 700 municípios apresentam altos índices de insegurança por escassez de médicos, sendo que a maioria não tem sequer um médico residindo no município. Em 2011 foram criados 19 mil postos de trabalho, mas somente 13 mil médicos se formaram naquele ano.
A médica Sabrini Novaes trabalha na cidade de Itaju do Colônia. O município de 7 mil habitantes fica a 123 quilômetros de Itabuna, na Bahia. Ela destaca a importância de um médico para atendimento à população, principalmente nessas localidades onde o acesso aos grandes centros é uma realidade para poucos.
"Trabalhando aqui no interior eu vejo de perto essa situação de não ter médico. É muito difícil, a população necessita. Tem cidades aqui que tem três anos sem um médico chegar perto. É complicado."
Sabrini Novaes relata a frustração vivida a cada dia com situações como a de ver um paciente em estado mais grave sem atendimento porque os hospitais estão lotados.
"Por exemplo, os pacientes infartados, os pacientes com infecções que eu não consigo tratar aqui. A gente manda uma coisa que se chama regulação e, na maioria das vezes, o hospital responde que não tem vaga mesmo. Então, você fica de mãos atadas. O básico você consegue, mas quando você necessita enviar o paciente para uma unidade de maior complexidade, o processo trava."
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirma que o governo vem atuando para melhorar a infraestrutura e para aumentar o atendimento à população. Segundo ele, mais de 20 mil unidades básicas de saúde estão em processo de construção, reforma ou ampliação atualmente. A previsão do ministério é investir R$ 80 milhões por ano em hospitais e unidades de saúde, e mais R$ 20 milhões em infraestrutura.
Padilha afirma que o governo aumentou em quatro vezes o investimento per capita em saúde, nos últimos 10 anos.
Também, conforme o ministro, foram criados mais de 150 mil empregos formais de primeiro registro profissional de 2003 a 2011. O número representa 50 mil a mais do que o de médicos formados no Brasil. Por isso, o governo defende a vinda imediata de médicos estrangeiros, preferencialmente de Portugal, Espanha e Cuba. A intenção do ministério é que esses profissionais comecem a trabalhar por aqui ainda este ano.
A medida, porém, é criticada por entidades do setor. Entre os problemas apontados estão a não aplicação do Revalida, uma prova de conhecimentos ao qual são submetidos os médicos formados no exterior que desejem trabalhar no Brasil, e a questão do idioma. Em duas audiências públicas da qual participou recentemente na Câmara Federal, o ministro Alexandre Padilha também foi questionado pelos deputados. Entre eles, Marcus Pestana, do PSDB de Minas Gerais.
"Teria que se construir, para se ter tranquilidade, um processo com o Conselho Federal de Medicina, com as universidades, com os estados e municípios, um critério rigoroso, um mecanismo que adaptasse a experiência do Revalida para uma circunstância emergencial e a questão da proficiência na língua, porque a relação médico-paciente é essencial. Se botar um médico catalão no interior do Nordeste, certamente a relação não vai fluir tranquilimente."
Mas o ministro da Saúde ressalta que a autorização para os médicos estrangeiros trabalharem no Brasil será restrita e que eles apenas serão chamados no caso de as vagas oferecidas pelo governo não serem preenchidas por médicos brasileiros. Além disso, esses profissionais só poderão atuar na atenção básica, ou seja, não poderão realizar procedimentos mais complexos, como cirurgias. Outra restrição imposta será quanto ao local de atuação. Os médicos estrangeiros contratados nesse regime emergencial terão que trabalhar exclusivamente na região para a qual foram designados.
Quanto à formação, Alexandre Padilha anunciou que os médicos estrangeiros estarão vinculados a uma universidade, que fará toda a checagem das habilidades e treinamento, especialmente na questão do idioma. A intenção é manter o profissional por três semanas em uma instituição de ensino, período em que terá suas habilidades como médico e sua capacidade de comunicação avaliadas. Ao mesmo tempo, serão checadas eventuais queixas de ordens médicas no seu país de origem.
Reportagem: Karla Alessandra
Trabalhos técnicos: Nilton Gomes e Chico Mendes
Edição: Marise Lugullo
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