Literatura e democracia
Lançado em 1981, o aclamado “Os filhos da meia noite”, de Salman
Rushdie, acaba de ser adaptado para o cinema pelo diretor
indiano-canadense Deepa Mehta, com roteiro do escritor. A história
acompanha a vida de Salleem Sinai, nascido no dia da independência
indiana, em 1947, e dotado com o poder da telepatia, que o permite
reviver a história de sua família desde o começo do século até os anos
1970.
Literatura e democracia II
Porém, ao que tudo indica, a película que será distribuída em 40
países, não chegará às telas indianas. Uma censura velada vem mantendo
afastados possíveis distribuidores, em mais um exemplo da dificuldade
das lideranças locais em lidar com críticas aos seus políticos. Soma-se a
“Os filhos da meia noite”, com sua nada lisonjeira descrição da
ex-primeira ministra Indira Gandhi, as ameaças de processos judiciais ao
autor de um biografia romanceada da nora de Indira; o cancelamento da
participação de Rushdie num festival literário no país, por conta das
ameaças de grupos islâmicos locais; e a censura a “Versos satânicos”
ainda hoje proibido no país.
Literatura e democracia III
Rushdie tem sido nas últimas décadas, desde sua condenação à morte
pelas lideranças religiosas iranianas por conta de seus “Versos
satânicos”, o autor mais emblemático das censuras e perseguições que
acompanham escritores (e outros artistas) ainda no século XXI. E o
afastamento de “Os filhos da noite” do espectador indiano passa a ser
simbólico das tensões políticas e sociais que marcam a ascensão de
países antes secundários, como os chamados BRICS.
Literatura e democracia IV
Se na Rússia, que em nada lembra a potência literária do século XIX, a
mão forte do governo Putin tem dado exemplos seguidos de sua
dificuldade em lidar com a crítica e a diversidade cultural (o caso
Pussy Riot é apenas o mais recente). Na China, não são poucos os
artistas perseguidos pelo regime, e não é pequeno o grupo de
auto-exilados em outros países. Se o caso Rushdie expõe bem a Índia
atual, o Brasil segue refém de leis como a que rege a divulgação de
informações sobre pessoas públicas, que vem sistematicamente excluindo
do mercado biografias de personagens de nossa história.
Literatura e democracia V
A lista faz pensar sobre a imensa dificuldade desses países que
ganharam relevância crescente no campo econômico, em estruturar sistemas
realmente democráticos, enfrentando de frente a construção da complexa e
incontornável liberdade de expressão. Autores perseguidos ou
censurados, livros retirados das livrarias e filmes afastados das telas
são indicativos óbvios de que falta muito a caminhar.
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