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29 de ago. de 2012

Livro do mês - "A insustentável leveza do ser"

Em “A arte do romance”, conjunto de ensaios e reflexões sobre a narrativa romanesca, Milan Kundera expõe uma concepção artística que serve como introdução à sua obra: “Fora do romance, encontramo-nos no domínio das afirmações: toda a gente está segura do que diz: um político, um filósofo, um porteiro. No território do romance, não se afirma: é o território do jogo e das hipóteses".

Livro do mês - "A insustentável leveza do ser" II

Articular o que pode ter sido, ao invés de repetir as versões e versões que se acumulam ao redor, é o que possibilita ao romancista expor o que passa despercebido no calor dos acontecimentos, nas versões oficiais. E “A insustentável leveza do ser”, de Kundera é um exemplo prático dessas especificidades do discurso ficcional.

Livro do mês - "A insustentável leveza do ser" III

Lançada em 1984, essa história tecida às sombras da invasão soviética na antiga Tchecoslováquia, no final dos anos 1960, poderia facilmente ganhar tons panfletários, com a facilidade de um libelo que incitasse a liberdade. Mas ao optar em narrar os efeitos desses acontecimentos na vida de quatro personagens – Tereza, Tomas, Sabine e Franz – Kundera nos oferece uma amplificação desse momento histórico, potencializando no indivíduo o impacto das mudanças, e as diversas faces da brutalidade: o ataque a identidade cultural, a burocracia estatal, o exílio, o medo, a morte. Ou, simplesmente, em relatos prosaicos como a obrigatoriedade dos estudantes de artes praticarem o realismo socialista e a fabricar retratos de chefes de Estado comunistas.

Livro do mês - "A insustentável leveza do ser" IV

Em outra chave, a articulação ensaística de Kundera, que em muitos momentos nos dá a impressão de analisar os fatos com a distância de um filósofo da alma, preenche as relações afetivas, que nesse romance se assemelham a uma versão eslava de “Quadrilha” de Drummond, de significados que escapam às ações. Para isso muito contribui a própria estruturação do romance em capítulos protagonizados por personagens distintos, que em muitos momentos nos oferecem visões complementares sobre um mesmo acontecimento, ou um mesmo objeto, como o chapéu coco que Sabine herdara de seu avô.

Livro do mês - "A insustentável leveza do ser" V

Essa obra, que recupera de maneira peculiar a atmosfera dos anos 1960, em um de seus momentos mais emblemáticos, ainda mantém intactas a energia criativa e a força poética que a fizeram um fenômeno de vendas nos anos 1980. Contradizendo uma de suas passagens mais instigantes, quando Tereza, em seu exílio suíço, ao apresentar seus registros fotográficos dos conflitos em seu país a um editor, descobre que estas não interessam a mais ninguém, “A insustentável leveza do ser” pode interessar a todo leitor atraído pelo avesso dos fatos, pelos fios invisíveis que ligam as vidas, e que deixamos de perceber enquanto nos contentamos com os relatos oficiais.

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