Quando a capa é o empecilho

“50 shades of grey”, de E L James, talvez seja o exemplo mais bem acabado das mudanças que acontecem atualmente no mercado editorial. Lançado em setembro do ano passado, inicialmente apenas no formato digital, por uma pequena editora virtual australiana, o livro bateu a barreira de 250 mil downloads, basicamente conquistados no boca a boca. Chegando ao mundo físico, alcançou o primeiro lugar na lista do New York Times, deu origem a dois novos livros e teve seus direitos vendidos para o cinema pela bagatela de U$ 5 milhões. Tudo isso e um detalhe: “50 shades” é um romance sadomasoquista que conta a relação de uma virginal estudante universitária com seu rico e poderoso amante.

Quando a capa é o empecilho II

Livros eletrônicos vêm promovendo uma importante modificação nas vendas de obras de cunho erótico ou romances “água com açúcar”. A privacidade na compra e na leitura em público, sem os chamarizes de capas espalhafatosas à vista de todos, trouxe novo fôlego a esses gêneros. Os números são impactantes. No Reino Unido, o formato eletrônico responde por 50% das vendas do segmento, contra 20% dos demais gêneros.

Quando a capa é o empecilho III

Da mesma forma, obras destinadas ao público feminino, promovidas e embaladas para esse consumidor, passam a ganhar um novo mercado formado por leitores homens, que se sentiam constrangidos em seguir até o caixa das livrarias carregando livros com chamativas capas em cor de rosa. Não deve surpreender que em breve o modo como determinados gêneros são concebidos para o mercado de livros impressos seja alterado para atender a uma maior diversidade de leitores.

Quando a capa é o empecilho IV

O livro de James ainda traz outro dado desse mundo novo. A obra nasceu de um fórum de “fan fiction” na internet – um espaço em que escritores amadores produzem obras baseadas em livros de autores que admiram. No caso de James, ela utilizou-se de elementos da série Crepúsculo para dar forma inicial às suas ideias. Seu sucesso nasce desse ambiente, que lhe deu seus primeiros leitores e que amplificou o interesse por sua obra. Em breve, podemos constatar o fenômeno por aqui. A trilogia “50 shades” foi comprada pela Intrínseca por US$ 780 mil, e deve chegar às livrarias em setembro.

O novo Houllebecq

Michel Houllebecq é, ao mesmo tempo, o mais conhecido e mais polêmico romancista francês da atualidade. Seus personagens cruéis e misóginos, que se confundem com o autor, vêm ao longo dos anos criando uma consistente rede de detratores. A demora para receber o Goncourt, o maior prêmio literário da língua francesa se deve muito a isso. Em 2010, Houllebecq enfim foi agraciado por seu “O mapa e o território” (Record, R$ 49,90), que acaba de sair no Brasil. Em tempos em que a arte se tornou ativo financeiro, e os artistas contemporâneos muito se assemelham a publicitários, a trajetória de Jed, o protagonista do romance, possibilita uma reflexão aguçada sobre nossa época, em que mesmo a arte parece esvaziada de sentido.