Navegação do Rio São Francisco
“O que um vapor está fazendo atracado na orla de Juazeiro-BA?”
Eis uma pergunta recorrente para quem se depara pela primeira vez com aquela “máquina de alta pressão, sem expansão e condensação, inclinada à ação direta com quarenta rotações por minuto”, como Francisco Manoel Álvares de Araújo descreve o vapor Saldanha Marinho: o Vaporzinho.
No dia 3 de fevereiro de 1871, Álvares de Araújo inaugurou a navegação a vapor nas águas do rio da Integração Nacional ao chegar à vila de Guaicuí, onde o rio das Velhas deságua no Velho Chico. De lá, prosseguiu sua histórica “viagem de exploração” à Januária, Carinhanha, Barra do Rio Grande, Xique Xique, Pilão Arcado, Remanso, Juazeiro e Boa Vista.
Em cada localidade, ele anotava aspectos da cultura ribeirinha que hoje oferecem subsídios para um melhor entendimento daquele período histórico. E assim, ficamos sabendo de sua disposição em desobstruir o São Francisco para que, unindo a navegação a vapor com as estradas de ferro, o centro do país finalmente se encontrasse com o litoral.
Toda esta história, fartamente narrada por Álvares de Araújo em seu relatório de viagem, sempre foi aceita pela historiografia como prova inconteste dos primeiros anos da navegação a vapor. A controversa fica por conta do período anterior ao encontro do Vaporzinho com as água do Velho Chico.
Wilson Dias, em seu livro “O Velho Chico: sua vida, suas lendas e sua história”, afirma que “o gaiola Saldanha Marinho foi construído na América do Norte, onde navegou por longos anos no rio Mississipi, depois foi conduzido para o rio Amazonas, e em seguida foi desarmado e transportado em carretas puxadas a boi até os terminais ferroviários: ora em cima de trem de ferro, ora em cima de carros de boi, até chegar a Sabará, presumivelmente em 1852”.
No entanto, o livro mais completo sobre a história da navegação nas águas do rio São Francisco, “Navegação do Rio São Francisco”, de Fernando da Matta Machado, não faz qualquer referência à América do Norte. Mas antes, atribui a construção do vapor ao contrato firmado entre o presidente de Minas, Joaquim Saldanha Marinho, e Henrique Dumont, pai de Alberto Santos Dumont.
Luizinho, o solitário vigia do Saldanha Marinho, prefere a versão de Wilson Dias. “Você acha que se não tivesse sido feito pelos americanos teria durado tanto tempo?”, pergunta ele, incisivo. Em seguida, levanta para apresentar a caldeira, a roda d’água, o camarote, o porão...
Içado a terra em fevereiro de 1971, exatamente no centenário do início da navegação a vapor, o Saldanha Marinho foi desmontado e transferido de uma orla para a outra na manhã do dia 17 de junho do ano passado, sendo o primeiro objeto de memórias do futuro Memorial da Navegação.
Logo nos primeiros dias, as pás das laterais, impulsionadas por uma queda d’água, simularam os movimentos da navegação. Entretanto, há três meses, informou Luizinho, um curto-circuito impediu que o vaporzinho continuasse navegando sem sair do lugar.
Mas, para quem supera a surpresa de encontrar um corpo metálico descansando em terra firme e adentra as dependências do vaporzinho, sempre há a possibilidade de sair do lugar, no tempo e no espaço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário